Imagine a seguinte situação hipotética: Joana apresenta excelente habilidade com o carro, pois aprendeu a dirigir com o seu pai, lá na fazenda de sua família. Porém, ela ainda não possui habilitação. Lucas, seu namorado, mesmo sabendo disso, permitiu que Joana conduzisse seu automóvel pelas estradas (via rural não pavimentada) da localidade onde moram. Nesse caso, independentemente das infrações administrativas previstas no CTB, a conduta caracteriza algum crime de trânsito? Caso sim, quem comete crime? Entregar a direção do veículo à pessoa sem habilitação – crime de quem?
Infração administrativa
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê duas infrações administrativas para o caso apresentado, veja:
Art. 162. Dirigir veículo: I – sem possuir Carteira Nacional de Habilitação, Permissão para Dirigir ou Autorização para Conduzir Ciclomotor: Infração – gravíssima; Penalidade – multa (três vezes); Medida administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado;
Art. 163. Entregar a direção do veículo a pessoa nas condições previstas no artigo anterior: Infração – as mesmas previstas no artigo anterior; Penalidade – as mesmas previstas no artigo anterior; Medida administrativa – a mesma prevista no inciso III do artigo anterior.
Portanto, serão lavrados dois autos de infração de trânsito (AIT), ambos com punição de multa cuja responsabilidade pecuniária recai exclusivamente sobre o proprietário do veículo que também receberá 7 pontos em seu prontuário, pela conduta de entregar a direção a alguém inabilitado – ressalte-se que pela conduta de dirigir veículo sem possuir habilitação não há registro de pontuação, afinal, o infrator NÃO possuir CNH.
Importante, ainda, se atentar ao fato de que a conduta de “ENTREGAR a direção” requer a presença do proprietário junto ao inabilitado. Diferentemente do que acontece quando este não está presente, situação prevista no artigo 164 do CTB como “PERMITIR a direção”.
Art. 164. Permitir que pessoa nas condições referidas nos incisos do art. 162 tome posse do veículo automotor e passe a conduzi-lo na via: Infração – as mesmas previstas nos incisos do art. 162; Penalidade – as mesmas previstas no art. 162; Medida administrativa – a mesma prevista no inciso III do art. 162.
Contudo, independentemente se o proprietário está ou não em companhia ao inabilitado, serão lavrados dois AIT’s, com duas multas e registro da respectiva pontuação no prontuário do dono do veículo.
Infração penal
Quando trazemos a análise para o contexto criminal, o capítulo XIX do CTB, em seu artigo 309 prevê o seguinte:
Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Observe que o crime previsto no art. 309 SÓ é caracterizado quando a conduta oferecer risco concreto – demonstrar imperícia na condução do veículo fazendo movimentos irregulares; subindo na calçada; indo em direção às pessoas; ou outros que deixem transparecer o descontrole da direção.
Portanto, considerando a situação hipotética do nosso texto, Joana não comete crime de trânsito, pois conduz o veículo com habilidade e, obviamente, isso não representa risco concreto.
Já, quanto à conduta de Lucas (nosso outro personagem) veja o que diz a legislação:
Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, OU, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa. Observe que o art. 310 prevê como CRIME a conduta praticada por Lucas – de entregar a direção a alguém que não possui habilitação – que, neste caso, não fez qualquer menção sobre a necessidade de constatação de risco ou perigo, na conduta em tela.
Conclusão
Entregar, permitir ou confiar a direção do veículo à pessoa que não possua habilitação SEMPRE será considerado CRIME de trânsito. Já, conduzir um veículo sem possuir habilitação SÓ caracterizará crime SE a conduta oferecer risco concreto de perigo de dano.
Ou seja: Paga mais quem empresta a “arma”, do que aquele que atira.
“Esta é a nossa legislação de trânsito”.
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