Conseguir a carteira de motorista sem fazer nenhuma prova no Detran, é a “facilidade” que alguns buscam. Mas será comprar uma CNH é seguro?
Existe isenção por desconhecimento?
Não é novidade para ninguém a necessidade de se obter um documento de habilitação para que se possa conduzir veículo automotor em via pública.
Qualquer pessoa que saiba dirigir um veículo tem conhecimento prévio acerca dessa exigência e ainda que, em uma situação absurda, alguém alegue o desconhecimento, o art. 3º da LINDB estabelece que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Como obter a CNH para dirigir
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em seu Capítulo XIV traz regras a respeito do processo para obtenção da primeira habilitação, que atualmente está regulamentado na Resolução nº 168/2004 do Conselho Nacional de Trânsito e em suas respectivas alterações.
Para se habilitar é necessário abrir o serviço junto ao DETRAN para captura de imagem, digitais e assinatura, exigindo-se do candidato que se submeta a exames de aptidão física e mental.
Na sequência deverá assistir as aulas teóricas e práticas no Centro de Formação de Condutores e por fim realizar as respectivas avaliações teórica e prática junto ao DETRAN.
Somente depois de se submeter a esse procedimento será emitida a Permissão Para Dirigir.
Natureza jurídica da habilitação para dirigir
Sobre a habilitação é importante saber que em todas as suas formas (Autorização, Permissão, Carteira Nacional de Habilitação) têm natureza jurídica de LICENÇA.
Devemos entender dessa forma, uma vez que se trata de um ato administrativo de natureza vinculada, pois o Poder Público ao verificar que o candidato à habilitação preencheu todos os pressupostos legais para sua obtenção NÃO PODERÁ NEGAR a sua expedição.
Os atos administrativos de natureza vinculada são sempre declaratórios e permanentes.
Diz-se DECLARATÓRIA porque não compete à Administração verificar se é ou não conveniente expedi-la, mas somente declarar um direito existente daquele que passou em todas as fases do processo exigido.
Por fim, se diz PERMANENTE porque não pode a Autoridade de Trânsito revogá-lo por conveniência e oportunidade; note que não é um documento definitivo, pois tem validade, mas é permanente pelas razões expostas.
CNH falsa ou adulterada
Infelizmente algumas pessoas falsificam o documento de habilitação ou fraudam o processo com o fim de obtê-la.
Nesses casos, o CTB prevê uma infração administrativa em seu art. 234 por “Falsificar ou adulterar documento de habilitação e de identificação do veículo” que é de na tureza gravíssima, 7 pontos no prontuário do infrator, multa de R$ 293,47 e a remoção do veículo.
Para fins de constatação do cometimento da infração de trânsito é importante destacar que falsificar é criar um documento novo com falsas informações e adulterar é modificar documento válido alterando suas informações.
De acordo com o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – Volume II (MBFT), regulamentado pela Resolução nº 561/2015 do CONTRAN, administrativamente a conduta de falsificar o documento de habilitação ou de portar o documento falsificado é enquadrada no mesmo dispositivo legal, o art. 234 do CTB mencionado anteriormente.
No que diz respeito aos crimes relacionados, a conduta é individualizada, pois existe um tipo penal para aquele que porta o documento falso e outro para quem efetivamente o falsificou.
Prática ilegal criminosa
Sendo assim, o fato implica no cometimento de crimes e a depender das circunstâncias, pode haver o ilícito tipificado no art. 297 do Código Penal:
“Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro”,
… que prevê pena de reclusão, de dois a seis anos, e multa.
Se aquele que praticou o crime é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
Outro crime possível é o que está previsto no art. 304 do CP:
“Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302”,
… cuja pena é a mesma cominada à falsificação ou à alteração dos estabelecida nesses artigos do Código Penal.
No caso do uso de documento de habilitação falsa, não é preciso apresentá-la para configurar o crime, basta portar, como explica Cesar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal – Parte Especial 4, 2012):
Quando se trata de Carteira Nacional de Habilitação, o simples porte caracteriza o crime, embora somente seja exibido por solicitação da autoridade de trânsito. Nessa hipótese, portá-la é ‘fazer uso’. Na hipótese de outro documento, a nosso juízo, o simples ‘porte de documento’, que apenas é encontrado mediante revista da autoridade competente, não caracteriza este crime.
Consequências legais para quem falsifica ou utiliza CNH falsa
No que diz respeito a quem de fato pratica cada um desses crimes mencionados, é possível que o falsificador seja uma pessoa e quem utilizou o documento falso seja outra, ou ainda, pode ser a mesma pessoa e nessa hipótese responderá por apenas uma conduta, que é o crime fim.
Convém mencionar mais uma vez Cesar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal – Parte Especial 4, 2012) que esclarece:
O quotidiano forense não raro apresenta-nos a duplicidade das figuras do falsário e do usuário de documento ilícito, ou seja, quando o próprio falsificador do documento é seu usuário. Nessa hipótese, quando se reunirem na mesma pessoa as figuras do usuário e do falsário, haverá responsabilidade por crime único: o de falsidade, que absorve o de uso (CP, art. 304).
CNH autêntica obtida por meios fraudulentos
Lamentavelmente em muitos casos ocorre a fraude durante o processo de obtenção da primeira habilitação, ou seja, o candidato se valendo de meios próprios ou com ajuda de terceiros, em alguns casos até mesmo funcionários de centros de formação de condutores e/ou do próprio DETRAN, fraudam etapas do processo ou sua totalidade.
O art. 313-A do Código Penal considera crime a conduta de “Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”.
A pena prevista é de reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Não se pode ignorar a possibilidade de, no curso da ação criminosa, restar configurado dois outros delitos, o primeiro deles é o de “Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”, conhecido como associação criminosa, que prevê pena de reclusão, de um a três anos, tipificado no art. 288 do Código Penal.
O segundo está previsto no art. 299 do CP que é o de…
Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante […]
… com pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa, pela falsidade ideológica.
Acerca do tema, Rogério Greco (Curso de Direito Penal – Parte Especial – Vol. 3, 2017):
Ao contrário do que ocorre com os delitos tipificados nos arts. 297 e 298 do Código Penal, que preveem uma falsidade de natureza material, a falsidade constante do art. 299 do mesmo diploma legal é de cunho ideológico. Isso significa que o documento, em si, é perfeito; a ideia, no entanto, nele lançada é que é falsa, razão pela qual o delito de falsidade ideológica também é reconhecido doutrinariamente pelas expressões falso ideal, falso intelectual e falso moral.
Cancelamento da CNH obtida ilegalmente
Evidentemente que se for constatada, em processo administrativo, a irregularidade na expedição do documento de habilitação, a autoridade expedidora promoverá o seu cancelamento, assim como determina o art. 263, § 1º, do CTB.
Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo (Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 2013, p. 544) aduz:
É muito comum a expedição fraudulenta do documento de habilitação, seja através de falsificação de documentos, seja por adulteração de nome ou dos testes. A hipótese prevista no dispositivo em comento ocorre quando se constata que a habilitação foi concedida indevidamente. (…) Sempre que nascerem suspeitas sobre a autenticidade do documento, especialmente em locais onde se descobre o derrame de carteiras falsas, instaura-se processo administrativo, assegurando o direito de defesa às pessoas envolvidas.
Conclusão
Portanto, independentemente do motivo, a ação ILÍCITA com o intuito de NÃO se submeter ao processo para obtenção do documento de habilitação cumprindo o que determina a legislação não possui justificativa minimamente aceitável para os que falsificam ou fraudam o processo, devendo responder tanto na esfera administrativa quanto criminalmente em um dos tipos penais que elencamos, a depender do caso concreto, estando sujeito às sanções previstas na lei.
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