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Exame toxicológico e a suspensão do direito de dirigir


Exame toxicológico e a suspensão do direito de dirigir
Exame toxicológico e a suspensão do direito de dirigir

A controvérsia a respeito da penalidade de suspensão do direito de dirigir por resultado positivo no EXAME TOXICOLÓGICO reside basicamente em duas questões:


1. Trata-se de uma penalidade de trânsito, que deve seguir todos os procedimentos estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro, ou; 2. Trata-se de uma medida administrativa, que pode ser imposta diretamente no RENACH do condutor?



Para elucidar a questão, vou começar citando o artigo 148-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que traz a previsão dessa suspensão:


Art. 148-A.  Os condutores das categorias C, D e E deverão comprovar resultado negativo em exame toxicológico para a obtenção e a renovação da Carteira Nacional de Habilitação.


§ 1º O exame de que trata este artigo buscará aferir o consumo de substâncias psicoativas que, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção e deverá ter janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias, nos termos das normas do Contran.


§ 2º Além da realização do exame previsto no caput deste artigo, os condutores das categorias C, D e E com idade inferior a 70 (setenta) anos serão submetidos a novo exame a cada período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, a partir da obtenção ou renovação da Carteira Nacional de Habilitação, independentemente da validade dos demais exames de que trata o inciso I do caput do art. 147 deste Código.


§ 3º (Revogado).


§ 4º É garantido o direito de contraprova e de recurso administrativo, sem efeito suspensivo, no caso de resultado positivo para os exames de que trata este artigo, nos termos das normas do Contran.


§ 5º O resultado positivo no exame previsto no § 2º deste artigo acarretará a suspensão do direito de dirigir pelo período de 3 (três) meses, condicionado o levantamento da suspensão à inclusão, no Renach, de resultado negativo em novo exame, e vedada a aplicação de outras penalidades, ainda que acessórias.


Extrai-se do artigo 148-A que estamos diante de uma suspensão do direito de dirigir sem a sua vinculação a uma infração de trânsito, SITUAÇÃO ÚNICA no Código de Trânsito Brasileiro e que deve ser aplicada de forma imediata ao RENACH do condutor, com a possibilidade de recurso sem efeito suspensivo. Exame toxicológico e a suspensão do direito de dirigir


Ou seja, é aplicada sem a existência de um auto de infração, diretamente no prontuário do condutor, com recurso contra o resultado obtido no exame e não contra a decisão da autoridade de trânsito de aplicar a penalidade.


Portanto, essa modalidade de suspensão NÃO POSSUI as características das penalidades de trânsito, previstas no artigo 256, do Código de Trânsito Brasileiro.


Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades: I – advertência por escrito; II – multa; III – suspensão do direito de dirigir; IV –  (Revogado pela Lei nº 13.281, de 2016) V – cassação da Carteira Nacional de Habilitação; VI – cassação da Permissão para Dirigir; VII – freqüência obrigatória em curso de reciclagem.


As penalidades previstas no artigo 256 são aplicadas ao RENACH do condutor, após processo administrativo punitivo, garantido o direito de ampla defesa e contraditório, sendo aplicadas somente após o esgotamento de todas as possibilidades de defesa, por decisão fundamentada da autoridade de trânsito.


O processo administrativo deve observar o devido processo legal estabelecido entre os artigos 280 e 290, do Código de Trânsito Brasileiro.


Durante o trâmite processual, não há qualquer restrição ou impedimento à habilitação do condutor, que pode alterar a categoria da habilitação, renovar a CNH ou transferir o prontuário para outras unidades da federação, sem qualquer obstáculo.


Portanto, a suspensão do direito de dirigir por resultado positivo em exame toxicológico não é uma penalidade de trânsito.


O que diz a resolução 723 do Contran. Exame toxicológico e a suspensão do direito de dirigir


Entretanto, o texto da Resolução 723 parece caminhar no sentido contrário, ao menos num primeiro momento e para apenas metade do processo administrativo.

Isso porque, determina ao órgão executivo estadual de trânsito a obrigação de notificar o condutor a respeito da instauração do processo:


Art. 10. O ato instaurador do processo administrativo de suspensão do direito de dirigir de que trata esta Resolução, conterá o nome, a qualificação do infrator, a(s) infração(ões) com a descrição sucinta dos fatos e a indicação dos dispositivos legais pertinentes.


II – a finalidade da notificação, qual seja, dar ciência da instauração do processo administrativo para imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir por somatório de pontos, por infração específica ou por resultado positivo em exame toxicológico periódico previsto no § 2º do art. 148-A do CTB;


§ 5º Da notificação constará a data do término do prazo para a apresentação da defesa, que não será inferior a 30 (trinta) dias contados a partir da data da notificação da instauração do processo administrativo.


§ 9º No caso de processo de suspensão do direito de dirigir decorrente do resultado positivo no exame toxicológico, a notificação de instauração do processo administrativo deverá ser encaminhada ao condutor examinado e conter, além do disposto no § 2º, no mínimo:


I – nome e CNPJ do laboratório responsável pelo resultado do exame ou da contraprova, caso esta tenha sido realizada; II – número do laudo; III – data do exame; IV – resultado do exame; e V – substâncias detectadas.


Já o artigo 14 determina que não apresentada, não conhecida ou não acolhida a defesa, a autoridade de trânsito competente aplicará a penalidade de suspensão do direito de dirigir ou de cassação do documento de habilitação, conforme o caso.


Art. 14. Não apresentada, não conhecida ou não acolhida a defesa, a autoridade de trânsito competente aplicará a penalidade de suspensão do direito de dirigir ou de cassação do documento de habilitação, conforme o caso.


Isso leva à conclusão de que a suspensão do direito de dirigir por resultado positivo de exame toxicológico somente pode ser aplicada após a fase de defesa prévia, com a aplicação da penalidade e prazo para recurso.


Como o artigo 148-A do CTB, em seu parágrafo 4º, diz que é garantido o direito de contraprova e recurso administrativo, sem efeito suspensivo, somente nessa fase procedimental é que a restrição começaria a ter implicações, suspendendo o direito de dirigir do condutor.


Nesses termos, o processo administrativo atrairia a norma contida no artigo 282, do Código de Trânsito Brasileiro, sendo que o prazo para a aplicação da penalidade seria de 180 dias, caso o condutor não apresentasse defesa prévia e de 360, caso apresentasse.


Até aqui, o processo administrativo para suspender o direito de dirigir se assemelha ao processo de suspensão por infração específica.



A Suspensão como Medida Administrativa


Para a outra metade do processo administrativo, a Resolução parece caminhar no sentido de que se trata de medida administrativa, vejamos:


Aplicada a penalidade, o condutor tem o direito de apresentar recurso contra o resultado obtido no exame toxicológico:


CTB, art. 148-A, § 4º  É garantido o direito de contraprova e de recurso administrativo, sem efeito suspensivo, no caso de resultado positivo para os exames de que trata este artigo, nos termos das normas do Contran.


A partir dessa fase processual, a suspensão por resultado positivo em exame toxicológico perde a característica de penalidade de trânsito e adquire características de medida administrativa.


O recurso não seria interposto contra a decisão da autoridade de aplicar a penalidade e sim contra o resultado positivo do exame e sem o efeito suspensivo, ou seja, a restrição é aplicada e somente pode ser retirada após o julgamento do recurso ou mediante inclusão no RENACH de resultado negativo em novo exame toxicológico.


E o recurso não seria interposto junto à JARI e sim junto à própria autoridade de trânsito que aplicou a penalidade, não havendo recurso em segunda instância.

Logo, teríamos a partir dessa fase, uma suspensão do direito de dirigir com características de Medida Administrativa.


Medidas administrativas não dependem de notificação para serem impostas ao veículo ou ao documento de habilitação, pois tem característica de penalidade acessória, complementar à penalidade principal e podem ser realizadas por meio de registro no RENACH ou RENAVAM.


Da mesma forma, a penalidade de suspensão do direito de dirigir por resultado positivo em exame toxicológico é aplicada diretamente no RENACH, no prazo de 15 dias contados da coleta.


Art. 14. O laboratório credenciado deverá inserir a informação contendo o resultado da análise do material coletado (se negativo ou positivo para cada uma das substâncias testadas) no prontuário do condutor por meio do Sistema de Registro Nacional de Condutores Habilitados (RENACH), no prazo máximo de 15 dias contados a partir da coleta.


§ 1º O condutor deverá autorizar, por escrito e previamente à realização do exame toxicológico, a inclusão da informação do resultado no RENACH. Se não houver esta autorização, o exame não terá validade para os fins desta Resolução e não poderá ser utilizado para qualquer outra finalidade junto ao Sistema Nacional de Trânsito.

O problema é que, mesmo com essa característica, a suspensão não se torna uma medida administrativa.


Medidas administrativas são formas coercitivas adotadas no sentido de preservar a segurança do trânsito, forçando o infrator a corrigir falhas constatadas através da fiscalização e constatação da infração, o que não é o caso, já que o exame toxicológico não aponta quando houve o consumo da substância psicoativa e muito menos se naquele momento o condutor estava conduzindo um veículo automotor.


Aponta tão somente que houve o consumo em uma janela de 90 (noventa) dias anteriores à coleta do material biológico.


Portanto, NÃO PODE ser considerada como medida administrativa.


E mesmo no artigo 269, também não encontramos qualquer penalidade acessória similar à suspensão:


CTB, art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:


I – retenção do veículo; II – remoção do veículo; III – recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação; IV – recolhimento da Permissão para Dirigir; V – recolhimento do Certificado de Registro; VI – recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual; VII –  (VETADO) VIII – transbordo do excesso de carga; IX – realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; X – recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos. XI – realização de exames de aptidão física, mental, de legislação, de prática de primeiros socorros e de direção veicular.


A medida administrativa que mais se assemelha ao exame toxicológico é o de perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Entretanto, esse exame tem como finalidade comprovar que o condutor dirigiu sob o efeito dessas substâncias, enquanto o exame toxicológico se destina a demonstrar que houve a ingestão da substância, independentemente se o condutor estava dirigindo veículo no dia da ingestão ou não.


Já em relação à suspensão, a medida administrativa mais parecida seria o recolhimento do documento de habilitação, entretanto, o recolhimento somente pode ocorrer nos casos previstos pelo Código de Trânsito Brasileiro ou quando houver suspeita de sua inautenticidade ou adulteração.


E nenhuma das medidas tem a capacidade de ocasionar o bloqueio administrativo do documento de habilitação.


Logo, não é possível classificar a suspensão do direito de dirigir por resultado positivo em exame toxicológico como sendo uma medida administrativa.


Conclusão


Estamos diante de uma penalidade mista, que não se enquadra como penalidade de trânsito principal e também não se enquadra como medida administrativa acessória, o que a torna figura atípica ao Código de Trânsito Brasileiro.


Isso demonstra que, mesmo tendo sido alterado pela Lei 14.071, o Código de Trânsito Brasileiro ainda traz a impossibilidade fática de aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir decorrente de resultado positivo em exame toxicológico.


E por mais que o CONTRAN se esforce em demonstrar que há a previsão legal contida no artigo 148-A é insuficiente para tornar lícita a pretensão de suspender o direito de dirigir.

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